segunda-feira, 15 de abril de 2013

"QUE FAREI QUANDO TUDO ARDE?"


O Tribunal Constitucional (TC) declarou quatro normas do Orçamento do Estado como inconstitucionais. Demorou muito tempo a decidir e contribuiu para uma mediatização desnecessária, mas fez justiça e não política, demonstrando independência em relação ao poder político (exemplo: a juíza indicada pelo CDS, Fátima Mata-Mouros, chumbou as quatro normas). Aliás, tirando a constitucionalidade da contribuição extraordinária de solidariedade sobre os reformados, nada mais surpreendeu.
A reacção de Passos Coelho ao chumbo do TC foi absolutamente incompreensível e vai muito além do que é aceitável para um primeiro-ministro. Ouvir Passos dizer que a decisão tem “consequências muito sérias para todo o país” e que torna também “problemática a necessária consolidação orçamental para os próximos anos” foi o mais hilariante dos últimos tempos. Ou seja, o sol estava a brilhar em Portugal até ter chegado o maldito TC. Melhor que isto só quando Chávez disse que os EUA foram os culpados pelo terramoto do Haiti de 2010.
Senhor primeiro-ministro, assente bem os pés no chão e verifique que tudo está a correr mal. A taxa de desemprego vai a caminho dos 18%, a economia caiu numa espiral recessiva, as metas do défice não são cumpridas e a dívida pública bate recordes sucessivos. Se isto é correr bem, vou ali e já venho.
Se Sá de Miranda pudesse perguntar a Vítor Gaspar: “Que farei quando tudo arde?”, a resposta seria óbvia: “Rega o fogo com gasolina”. A verdade é que o caminho suicida da austeridade obsessiva prossegue a um ritmo avassalador. Ao golpe nos salários e pensões, juntar-se-ão despedimentos de funcionários públicos e teremos mais cortes na segurança social, saúde, educação e empresas públicas. E onde estão as tais “gorduras do Estado”? E que tal renegociar as parcerias público-privadas? Não conseguem mexer nas rendas excessivas? Se Sarah Palin fosse naturalizada portuguesa, todos saberíamos o que o nosso Governo não tem…
É óbvio que é utópico deixar a austeridade de lado, mas o Governo já deveria ter olhado para muitas outras coisas, principalmente para um dos maiores problemas do país: o desemprego. O programa neoliberal da “troika” não está a funcionar e o Executivo já não tem legitimidade para governar, uma vez que os partidos da coligação estão a fazer exactamente o contrário do que prometeram. E, para piorar, não se vislumbram soluções. É completamente irrealista pensar num Governo de iniciativa presidencial, Paulo Portas não tem peso nenhum na coligação, alguns ministros andam a encher pneus e Seguro ainda procura convencer muitos portugueses.
No meio disto tudo, assistimos a momentos de paródia e estupidez como a demissão do ex-Dr. Miguel Relvas. O seu mandato foi um falhanço total, como comprova o adiamento da privatização da RTP e a “reforma” administrativa feita às três pancadas, e diz que sai por não ter “condições anímicas para continuar”. Já dizia Jorge Palma: “Deixa-me rir”…

Comentário político no jornal "Geresão" e "Rádio Alto Ave" (10/04/2013).

quarta-feira, 3 de abril de 2013

O REGRESSO DO "ANIMAL FEROZ"


José Sócrates teve um regresso triunfante após dois anos de “retiro espiritual” no “país da liberdade”. Depois de tantos ataques de que foi alvo nos últimos tempos, o seu aparecimento era expectável.
É claro que Sócrates não deixa ninguém indiferente e a prova disso é que se instalou logo um grande rebuliço mal se soube que ia ser comentador político da RTP. Foi ridículo vermos milhares de pessoas a assinar petições, recusando a presença do antigo primeiro-ministro como comentador da estação pública, e tudo isto quando encontramos Marques Mendes e Marcelo Rebelo de Sousa nos outros canais generalistas. Certo é que a entrevista de relançamento que concedeu à RTP foi a mais vista de sempre, ou seja, muitos cidadãos que subscreveram as petições assistiram à entrevista, o que não deixa de ser extremamente curioso.
Sócrates teve uma excelente prestação, justificando, principalmente, o seu passado governativo. Obviamente que tem algumas responsabilidades no estado do país, mas não lhe podem ser todas incutidas. Até podem dizer que a despesa pública disparou nos seus mandatos, o que é verdade por muito que o socialista tente “esquecer”, nomeadamente, os primeiros meses de 2011. Contudo, é bom lembrar aos mais distraídos que ele foi o responsável pelo maior crescimento económico da década passada e que tínhamos um desemprego de “apenas” 12% quando saiu do Governo.
Entre “narrativas” e “embustes”, deve realçar-se três pontos:
1.º: Enquanto Sócrates ocupou a chefia do Governo, o PSD ignorou a crise internacional, mas agora aponta a crise europeia como uma das maiores entraves à recuperação de Portugal...
2.º: Ninguém sabe se o PEC IV teria “sucesso” caso tivesse sido aprovado, ou se teríamos, ou não, dinheiro para pensões e salários sem ajuda externa. O que se sabe é que o rolo compressor que se chama “troika” não seria tão destruidor com Sócrates no comando, ou melhor, não seria obsessivamente obediente à “troika” como Passos Coelho e Vítor Gaspar têm sido. Estão a aplicar uma austeridade doentia e um exemplo elucidativo é que o memorando não previa cortes no subsídio de férias e de Natal.  
3.º: As duras críticas a Cavaco Silva já eram esperadas. O nosso chefe de Estado atacou violentamente o antigo ocupante do Palácio de São Bento depois de este ter emigrado. Existiu falta de lealdade institucional quando Sócrates omitiu o PEC IV? Sim, se bem que isso não é nada comparado à quantidade de minas que Cavaco colocou no seu caminho.
Estranhou-se o facto de o antigo primeiro-ministro ter aguentado tanto tempo afastado da cena política, dado que ele precisa destes combates como Jackson Martínez precisa de golos. Os bombardeamentos à coligação serão fortes, “substituindo” Seguro nesse papel.
Ficou mais uma vez comprovado que Sócrates é um excelente comunicador e que entusiasma inúmeros portugueses com o seu estilo muito próprio. Consegue despertar paixões e ódio, não existindo meio-termo, e sabe o que quer, ao contrário de alguns, que não são carne nem peixe. 

Comentário político no jornal "Notícias de Vieira" e "Rádio Alto Ave" (01/04/2013).