Era habitual ouvir lamentações de tantos
portugueses sobre a política nacional, pelo facto de, por vezes, ser tão tenra
e com pouca emoção, que estava mesmo na hora de o panorama começar a aquecer.
Escrevo este comentário no dia em que,
precisamente, cai o Governo de direita. A agitação política sobe,
inevitavelmente.
Os belgas, dinamarqueses, luxemburgueses,
letões e noruegueses sabem que, hoje em dia, uma vitória nas legislativas pode
não garantir a governação. E não vem mal nenhum ao mundo que os portugueses,
agora, também o saibam. Tudo isto é Democracia!
Os resultados das eleições legislativas foram
claros, realçando dois pontos fundamentais: a coligação Portugal à Frente
venceu, mas perdeu a maioria absoluta, e o PS perdeu, mas a esquerda conseguiu
a maioria dos votos.
Após estes resultados, vários cenários ficaram
em aberto. Julgava-se que, o caminho escolhido por António Costa seria o de
deixar queimar o Governo, em lume brando, e, em menos de dois anos e meio,
apresentar uma moção de censura. Seria um caminho mais seguro e, possivelmente,
mais consensual entre os socialistas.
No entanto, o caminho foi outro. Na política,
também existe espaço para o dialógo, e há que saber negociar e estabelecer
pontes.
Mesmo não se concordando com o caminho que o
líder dos socialistas tomou, não se pode reagir com histeria. Aliás, a
coligação de centro-direita, com o seu radicalismo ideológico, pôs-se a jeito,
para que este cenário pudesse acontecer.
É verdade que, a união da esquerda engloba partidos com ideologias muito
diferentes, mas também é verdade que ninguém deve estar excluído do chamado
“arco da governação”.
As cedências têm de estar em cima da mesa. Da
mesma forma que, o Partido Popular Monárquico não impôs a realização de um
referendo, sobre a República como condição para fazer parte da Aliança
Democrática, também o BE, PCP e PEV terão que “esquecer” medidas como a
nacionalização do sector energético e o regresso ao escudo.
O grande problema é que a corda vai estar sempre esticada. Nos acordos
que foram assinados, existem fragilidades que podem abalar o futuro Executivo,
pois este não terá a presença
do BE, PCP e PEV; os acordos não incluem a garantia de que os
partidos à esquerda do PS aprovem os quatro orçamentos da legislatura; não
existe uma única palavra nos acordos, em relação ao cumprimento do Tratado
Orçamental, e depois de 2016,
poucas medidas estão negociadas. Para além disto, terá de prosseguir o processo de
consolidação orçamental.
Bem, uma coisa é certa: as negociações serão o prato da casa do futuro
Governo.
No meio desta forte agitação política, Costa
corre um risco político considerável. O PS afasta-se do centro político, e o secretário-geral
socialista sabe que, se o acordo à esquerda falhar, Passos Coelho fica a um
“pequeno click” da maioria absoluta.
Comentário político na "Rádio Alto Ave", e jornais "Geresão" e "Notícias de Vieira" (10/11/2015).