quinta-feira, 17 de outubro de 2019

DE BOTICAS A SANTANA... REFLEXÕES SOBRE AS LEGISLATIVAS


Passei o dia de reflexão em Terras de Barroso, dando uma volta de bicicleta com o meu amigo Gil Rocha. Enquanto subia uma estrada com inclinação de 11,3% (em direcção à Carreira da Lebre, em Boticas), olhei para o guiador, depois para um carvalho-português e pensei: Quem terá pedalada para, no dia de amanhã, reagir, exemplarmente, aos resultados eleitorais?
Bem, realizaram-se as eleições e o grande vencedor foi o Partido Socialista, que saiu fortalecido. Não foi por maioria absoluta, mas também não foi por “poucochinho”.
O tema Tancos não abalou António Costa. Nos debates, manteve-se firme, numa posição defensiva, conseguindo resistir às investidas dos outros candidatos.
Costa festejou e tem vários parceiros à escolha, para dançar o tango. Com um acordo global (geringonça 2.0) ou negociação ano a ano, com maior ou menor jogo de cintura, sabemos que se avistam negociações “amigáveis”.
No centro-direita, aconteceu o que era previsível - uma enorme derrota. Rui Rio tem que assumir, humildemente, a sua quota-parte de responsabilidade, no resultado.
Tenho estranhado ver o líder de um partido como o do PSD com pouca garra e ambição. Fiquei de boca aberta com a reacção caricata à derrocada. Disse que, “não houve grande derrota” e apontou baterias à Comunicação Social; sondagens. O facto é que, foi um dos piores resultados da história do PSD.
Tudo isto leva ao copo meio cheio ou meio vazio. Senão, vejamos com mais pormenor: é verdade que a oposição interna nunca lhe deu paz, e o resultado não ficou na casa dos 20%, mas também é verdade que, na crise dos professores, a estratégia foi um desastre; o “banho de ética” de Rio não atingiu José Silvano, o homem das presenças-fantasma; avançou com julgamento em praça pública (quando critica quem o faz) na questão de Tancos... e fico por aqui.
Ainda mais incrível que saber que a Volkswagen vende mais salsichas do que carros, foi olhar para quem esteve ao lado de Rio, na noite eleitoral. Arrepiou-me ver Elina Fraga; Salvador Malheiro e Mónica Quintela. Com estas companhias, os resultados dificilmente seriam brilhantes!
Em relação ao CDS, aconteceu a hecatombe eleitoral. Assunção Cristas fez o que tinha de fazer. Demitiu-se.
A líder do CDS tinha a ambição de ser primeira-ministra, o que saudei porque provocou o habitual conservadorismo nacional, no entanto, não resultou. Muita coisa correu mal e a campanha, no Porto, foi o principal sinal do que estava para vir. Prejudicada, seriamente, por ter pertencido ao Governo liderado por Passos Coelho, e com uma postura, por vezes, arrogante, foi por pouco que não voltou ao “partido do táxi”.
O Bloco consolida-se como terceira força política e conseguiu um dos seus objectivos, isto é, travar uma maioria absoluta do PS. Catarina Martins ainda esticou a corda, por causa da paternidade da geringonça, mas não houve ganhos.
Com a geringonça, o PCP derrapou e afundou. Começou nas autárquicas, depois europeias e, agora, legislativas. Jerónimo de Sousa já deveria ter abandonado a liderança. Está, claramente, sem energia e dinamismo para a exigência que o cargo requer. Os comunistas perdem força na Europa. Até quando é que o PCP será o que mais resiste?
O PAN sorri. Colocou, verdadeiramente, no centro de debate a defesa do ambiente e dos animais; elegeu quatro deputados e Heloísa Apolónia não foi eleita.
A realidade é que, uma mensagem clara, que pensa na vida quotidiana das pessoas, é extremamente eficaz. Os grandes partidos estão a perder esta capacidade e abrem espaço ao surgimento de outras forças políticas. Ora atentemos no seguinte: os partidos de menor dimensão conquistaram mais de 500 mil votos. E, entre os pequenos partidos que conseguiram entrar na Assembleia da República, classifico como interessantes os resultados da Iniciativa Liberal, que desejam menos Estado, e do Livre, que será a “esquerda feminista radical”. São visões políticas diferentes, que vão enriquecer o debate parlamentar, ao contrário do Chega que só traz duas coisas - racismo e xenofobia.
Termino a escrever no dia 9 de Outubro, e não consegui anotar algo sobre o Aliança. Olho para Santana Lopes e penso no que escreveu o narrador Nathaniel, no livro “A Luz da Guerra”, do escritor Michael Ondaatje: “Tantos estilhaços sem rótulo na minha memória”.

Comentário na Rádio Alto Ave e no jornal Geresão (9/10/2019).