domingo, 16 de agosto de 2020

UMA AVENTURA CHAMADA ALENTEJO

Ao acompanhar o meu cunhado e amigo Victor Fernandes, que por motivos profissionais teve de se deslocar ao interior do Alentejo, proporcionou-se uma viagem que, há muito, ansiava.

O luar, numa noite estrelada, abrilhantou a nossa entrada no Alentejo e, em Ponte de Sor, tivemos uma gloriosa recepção.

Uma lebre, fazendo jus à fama de boa corredora, ziguezagueou, durante vários minutos, na frente do automóvel até encostar, fatigada, a um sobreiro. A nossa Árvore Nacional continuou a ladear a estrada.

Chegamos a Avis. Antes de pegarmos nas malas, tivemos duas certezas em relação aos próximos dias: seremos vigiados por magníficos castelos e as planícies douradas emoldurarão a paisagem, pinceladas de oliveiras, sobreiros e azinheiras.

Serve como despertador o calor que sacode o corpo. Acordar no Alentejo, no mês de Junho, é esperar um clima quente e seco, com 35 graus de temperatura, ou mais, ao longo do dia.

O Victor teve de levar o computador portátil e avançou com as aulas. Eu levei a bicicleta; enchi o bidão com isotónico e pedalei até ao Castelo de Evoramonte.

Depois de subir a difícil Serra d’Ossa, onde os quatro torreões cilíndricos saltam logo à vista, entro na Porta do Sol (uma das quatro portas que rasgam as muralhas do Castelo) com ritmo cardíaco de 182 batimentos, por minuto.

Tento controlar a respiração para, logo depois, sorver história dos séculos XII e XIX: por volta de 1160, depois de oferecer a sua habilidade e coragem a D. Afonso Henriques, o aventureiro Geraldo sem Pavor liderou a conquista aos mouros desta e de outras terras alentejanas e, no dia 26 de Maio de 1834, a Convenção de Evoramonte finalizou a guerra civil que sangrou Portugal, opondo absolutistas a liberais.

Antes de regressar a Avis, deleito as incríveis vistas panorâmicas, onde o encanto não tem fim.

É a hora do almoço, o momento de continuar a repor os sais minerais que perdi na actividade física.

Os maravilhosos produtos da região rechearam a mesa. O queijo de ovelha curado chegou com o Victor de Sousel. O azeite virgem extra joga em casa, é de Avis. O pão, com côdea rija e miolo compacto, veio de Alter do Chão e será uma companhia, nesta, e nas próximas refeições principais. Faltou o vinho. A Amália Rodrigues já tinha cantado: “Numa casa portuguesa fica bem / Pão e vinho sobre a mesa”.

Com os corpos revigorados, o néctar dos deuses foi saboreado, na parte da tarde.   

Em duas quintas, uma localizada em Sousel e outra em Estremoz, tropeçamos em vinhos sedutores, feitos com a mesma paixão que encontrei, há anos, no Douro. Brindamos ao Alentejo e batemos palmas às castas Antão Vaz e Alicante Bouschet. Uma garrafa foi para a bagageira, objectivando abri-la no Inverno, quando umas Couves com Feijões repousarem na mesa. 

Já no centro de Estremoz, surge a oportunidade de comermos o doce Pão de Rala. Trinco esta maravilha e imagino-me no século XVI, a ver o alvoroço que surgiu, na cozinha do Convento de Santa Helena do Monte Calvário, em Évora, com a visita anunciada de D. Sebastião. Não havia muito para lhe dar e lá teve que se servir do que havia: “pão ralo”, azeitonas e água.

Sua Majestade ficou surpreendentemente agradada, não negando uma evidência, e, depois, ajudou o convento.

A felicidade das irmãs foi tanta que criaram o Pão de Rala (um “milagre” com ovos, amêndoa e chila, acompanhado com “azeitonas” de maçapão e escurecidas com cacau). A felicidade perdurou e, passados cerca de 450 anos, atingiu dois minhotos!

Continuamos em Estremoz, a “cidade branca”. Casario branco e forte produção de mármore. Com a boca ainda adocicada, anoto a altura da Torre de Menagem: 27 metros. Construída em mármore, é de uma beleza estonteante.

Olhamos para as terras que nos circundam.

Há uma ligação íntima à história de Portugal. Aqui perto, as terras serviram de palco a uma batalha decisiva para a independência do nosso país, a Batalha de Montes Claros. Tal êxito também contou com a bravura de três mil e quinhentos homens transmontanos que deve ter baralhado as contas de Marquês de Caracena.

Estremoz respira, igualmente, amor. Aqui faleceu a Rainha Santa Isabel. Tinha um coração do tamanho de Portugal e, com ou sem rosas, foi amada pelo povo.

A viagem pelo Alentejo ainda não terminou. Um artigo posterior continuará com os registos de um território que orgulha Portugal.


Artigo de opinião de Filipe de Oliveira na Rádio Alto Ave, no jornal Geresão e na Cidadania Vieirense (12/7/2020).