quarta-feira, 28 de outubro de 2020

ATÉ SEMPRE, AMIGO!

Fui rasteirado e tenho de alterar o plano. No dia 25 de Julho do presente ano, perspectivava-se uma bela manhã de verão, com momentos de satisfação na prática desportiva. A reunião de sensações positivas não foi suficiente para bloquear o que veio a acontecer.

 

[Um dia, no regresso a casa após as aulas, passei em frente a uma ourivesaria. Um relógio de pulso italiano estava na montra, e a subtileza do movimento dos ponteiros fez-me travar o passo. Admirei a elegância do conjunto, onde se destacava uma barra horizontal cor-de-laranja, no mostrador. Cortejei o relógio, até recebê-lo, no dia de Natal. Foi o meu primeiro relógio de ponteiros e tenho-o guardado. Sabia que ia ficar comigo, para sempre.]

 

Um amigo veio ao meu encontro, no Mosteiro, e, às 7h30, começamos a pedalar em direcção às Terras de Basto. A motivação pela volta que íamos fazer não impediu uma paragem, no Arco de Baúlhe, devido a dúvidas no trajecto a seguir. Aqui, também, sentimos uma fraqueza que não física.

 

[Um dia, já perto de se iniciar a Quadra Natalícia, realizou-se um jantar de amigos num “bunker” vieirense. Resultado desse encontro: nasceu a Associação CAVA – Clube Amigos de Vieira. Avançamos com coragem, impulsionados pela força do nosso padrinho, que foi aquele que nos acolheu e apoiou. Respeito mútuo, felicidade crescente.]

 

Debaixo de um sol abrasador, passamos em Atei, onde as vinhas ladeiam a rota. Procuro esquecer o péssimo estado da estrada e recordar que alguns vinhos verdes, desta região, já foram convocados para exigentes embates gastronómicos. De que vale recordar isto? Vale muito.

 

[Um dia, num domingo de Outono, estava a acabar de almoçar e um amigo liga, por volta das 14h, a perguntar se queria ir ver um jogo de futebol, em Macedo de Cavaleiros, onde o Vieira Sport Clube iria defrontar a equipa local. Um detalhe: o jogo começava às 15h. Chegamos no fim da primeira parte, não sem antes pararmos, obviamente, no Mosteiro para beber um café. A nossa equipa perdeu, mas, felizmente, as alegrias foram superiores às tristezas. Mais um fascínio que nos uniu tantas vezes, levando-nos a descobrir, principalmente, a região de Trás-os-Montes e Alto Douro.]

 

Chegou o momento de começarmos a subida de 8 quilómetros e 200 metros, com uma pendente média de 7,4%, até ao Santuário de Nossa Senhora da Graça. As pernas não fraquejaram e levaram-nos ao topo do Monte Farinha. Já os corações vão desmoronar-se, daqui a alguns minutos.

 

[Um dia, surgiu a curiosidade de ver um concerto de Roger Waters. Os nossos caminhos uniram-se, novamente. Um outro amigo acompanhou-nos e arrancamos em direcção a Lisboa. Uma paragem na região da Anadia, na face da Estrada Nacional 1, e, desde daí, uma maravilha gastronómica levou-nos ao início do concerto e agarrou-me até hoje. O muro de Roger Waters caiu; o nosso solidificou-se.]

 

No santuário, aconteceram momentos solenes, com a troca de impressões com peregrinos cabeceirenses. Começamos, depois, a descer, de regresso a casa. Enfrentamos vento forte que nos levou a ter atenção redobrada nas curvas em formato de gancho. A descida termina e olho para o telemóvel: uma chamada perdida de um amigo de infância. Não queria ouvir o que ele tinha para me dizer.

 

[Um dia, decorreu um jogo no mítico Estádio de Anfield, com visualização num espaço subterrâneo vieirense, que justificou uma refeição especial, enquanto a bola rolou. O Benfica eliminou o campeão europeu em título e a loucura levou-nos a muitos abraços e a alguns choros. O momento verdadeiramente alto foi com o corpo em forma de “U” invertido, imaginando castanholas nas mãos, um amigo cantou uma música popular da língua de Cervantes. Mais tarde, também aqui, festejamos o título europeu da selecção portuguesa de futebol.]

 

Devolvi a chamada. A satisfação de termos atingido o topo seria derrotada pela notícia que ia chegar. Ele disse-me: “O nosso amigo partiu...”. A fé faz-nos mover, mas não tem força suficiente para travar aquilo que não queremos que aconteça. Informo o meu companheiro de aventura, que o tratava carinhosamente por “padrinho”. Fizemos o resto do caminho a recordar os momentos inesquecíveis que vivemos. Um dos meus grandes amigos foi ao encontro do Pai. Tantas histórias ficaram por contar, mas o resto fica, para sempre, entre nós. Nutria por ele um enorme respeito e ele com todos aqueles com quem se cruzou. Vamos perpetuar a sua memória, recordando a singela, mas sentida homenagem realizada, há poucos anos.

 

Uma semana antes de partires, fizeste-me um pedido. Eu cumpri sem saber que, esse, seria o teu último pedido e que a nossa última conversa ocorreria poucos minutos depois…

 

Até sempre, Leo!


Opinião de Filipe de Oliveira na Rádio Alto Ave, n`O Jornal de Vieira e na Cidadania Vieirense (4/10/2020).