terça-feira, 12 de maio de 2020

PORMENORES DE UM ABRIL DIFERENTE... NA HISTÓRICA CIDADE DE AMARANTE



Num dia ameno do mês de Abril de 2020, tive de ir ao centro da cidade de Amarante. Uma terra que aprendi a amar, de há 14 anos a esta parte; uma terra que estima as suas gentes; preserva a sua identidade e eleva a cultura.
A cidade estava paralisada.
Parei na Praça da República. Não ouvi uma palavra, na língua de Shakespeare, a esvoaçar sobre o rio Tâmega e sob a Ponte de São Gonçalo. Não ouvi o arrulhar do pombo que estava na Varanda dos Reis da Igreja de São Gonçalo. Não chegou o aroma dos Doces Conventuais, da confeitaria localizada a poucos metros.
Olho para o rio Tâmega e anoto a sua forma descontraída. Ele que, por vezes, “revolta-se”, inunda a zona histórica e desespera comerciantes. Da Serra de San Mamede ao rio Douro, uma das maiores belezas que o rio toca, durante o seu percurso, é a Ponte de São Gonçalo.
Nesta ponte, projectada por Carlos Amarante, desenrolaram-se, há cerca de 211 anos, combates viscerais. As tropas napoleónicas conseguiram conquistar a ponte (desconheço se os quatro varandins semicirculares foram do seu encanto), mas não aguentaram muito tempo. A astúcia do General Silveira e a bravura dos seus soldados, alguns sem armas de fogo, reforçam a “tese” de que, em relação às forças, nem sempre ganham os que estão em maior número e melhor armados.
Tantos anos passaram, desde os combates, e visualizamos, ainda, marcas de bala de canhão e mosquete na fachada da Igreja de São Gonçalo. A curiosidade sobre São Gonçalo palpita. Para a Igreja Católica, é beato. Para o povo, é santo. Santo António casa as novas. São Gonçalo recebe as “encalhadas”.
Vou adocicar. Venham as lérias e foguetes. Amêndoas e açúcar escuro, para as lérias. Amêndoas, ovos e folhas de hóstia, para os foguetes. São Doces Conventuais imortalizados pelas irmãs clarissas, do Mosteiro de Santa Clara.
As invasões francesas voltam a ter destaque. O fogo que atearam ao Mosteiro de Santa Clara, no dia 18 de Abril de 1809, provocou danos materiais, mas o património imaterial manteve-se intocável. O respeito; a tradição; o património e a herança deram as mãos. As irmãs tiveram a dignidade de partilhar os saberes com algumas famílias da região, que continuaram o legado.
Regresso ao mês de Abril de 2020. Quando ia embora, estava prestes a entrar no meu automóvel e deparo-me com um detalhe que me faz travar o passo. Vejo, na estátua de Teixeira de Pascoaes, localizada no Jardim da Alameda, uma máscara de pano sobre a boca e nariz do grande homem das letras. Admirei a originalidade e profundidade do detalhe, durante alguns segundos e, após isso, fotografei-o.
A minha memória guardou a imagem impactante e o seu significado, sobre os tempos que correm. É algo que me faz pensar. A máscara continuará a fazer parte do nosso dia-a-dia e, tenho a certeza, o escultor da estátua, António Duarte, aplaudiria este acréscimo.
Em “Verbo Escuro”, Pascoaes parece pressentir o desafio das próximas gerações, quando escreve: “Nascer é por a máscara”.
Sempre que vou trabalhar, passo a 200 metros da Casa de Pascoaes, onde, aí, o poeta abraçava o Tâmega e o Marão e recebia Raul Brandão; José Régio; Sophia de Mello Breyner Andresen, entre outros.  
Amarante honra a nossa literatura e as artes. É uma terra que trabalha a cultura; que lança sementes; rega e aduba. É, também, a terra de Amadeo de Souza-Cardoso e Agustina Bessa-Luís.

Comentário na Rádio Alto Ave, no jornal Geresão e na Cidadania Vieirense (6/5/2020).