quinta-feira, 16 de abril de 2020

OS MEUS AVÓS E A PANDEMIA


Quando os meus avós nasceram, o telefone, a lâmpada incandescente e o automóvel moderno tinham sido, recentemente, criados. Razões para sorrir?
Pouco tempo depois de nascerem, três dos meus avós (a avó Virgínia só nasceu no ano de 1921) têm conhecimento que Hermano Neves, do jornal “A Capital”, parte para França, sendo o primeiro repórter português enviado para a Primeira Guerra Mundial.
Posteriormente, os quatro são informados, no dia 15 de Maio de 1945, por Manuel Rodrigues, que escreveu no jornal “Diário de Notícias”, o seguinte: “Existe exagero nos relatos que têm sido publicados a respeito dos campos de concentração alemães? Pelo que diz respeito a Dachau posso afirmar que não”.
Passaram os conflitos mundiais e o receio era que começasse uma guerra nuclear.
A somar a tudo isto, os meus avós, e os demais portugueses, tiveram de lutar, duramente, contra a ditadura salazarista. Momento marcante: desenrolava-se a Segunda Guerra Mundial e Salazar decretou o racionamento de alguns bens alimentares, principalmente, por causa da escassez de alimentos.
Nesta fase da vida, os meus avós recebiam senhas do Regedor para comprarem, a preços tabelados, algum milho, arroz, azeite, açúcar, entre outros.
Se é verdade que, por norma, a broa de milho estava na mesa todos os dias, também é verdade que as refeições eram poucas, reduzidas e não variavam. De segunda-feira a sábado, comiam sopa com couves e feijões. Aos domingos, a história era outra – feijões com arroz.
Racionar era a palavra de ordem. A fome e a miséria proliferavam. Salazar bem tinha dito: “Livro-vos da guerra, mas não sei se vos livro da fome”. E só não foi pior porque continuamos a exportar, por exemplo, latas de sardinhas. Quem as apreciava? Hitler. No seu “bunker”, encontraram três desses recipientes portugueses.
Quem passou pelo racionamento, tem, naturalmente, receio que volte a acontecer.
Cerca de 6 meses depois de partir Salazar, a avó Deolinda é a primeira dos meus quatro avós a ir ao encontro do Pai. Quinze anos depois, falece a avó Virgínia e, num território de contrastes, a alegria do mundo, com a queda do Muro de Berlim, adversava com a dor na minha família: num espaço de três meses, partem o avô Manuel e o avô Silvino.
Nessa altura, os meus avós nem sonhavam que, muitos anos depois, um inimigo epidémico invisível pudesse obrigar ao adiamento de uma edição dos Jogos Olímpicos. Agora, os seus filhos, netos, bisnetos e trinetos (alguns, fora de Portugal) deparam-se com o maior desafio das últimas décadas.
O mundo não estava preparado para enfrentar um inimigo como a COVID-19, com estas características, e desvalorizou quem o avisasse. Há 5 anos, Bill Gates disse: “Se alguma coisa matar mais de 10 milhões de pessoas, nas próximas décadas, é muito mais provável dever-se a um vírus altamente contagioso do que a uma guerra. Não mísseis, mas micróbios”. O surto do vírus Ébola na África Ocidental, em 2014, foi um forte aviso. No entanto, pouco ou nada foi feito, desde aí.
Neste momento, os Sistemas de Saúde de alguns países mais ricos do mundo estão à beira da ruptura.
É uma corrida contra o tempo. Por um lado, a indústria farmacêutica trabalha 24 horas por dia, para o fabrico de uma vacina preventiva para a COVID-19. Uma vacina pode demorar oito a dez anos a estar pronta, mas aguardamos um milagre.
Por outro lado, temos pessoas como Lila. Ela, na “A Amiga Genial”, de Elena Ferrante, “destruía equilíbrios só para ver de que outro modo podia recompô-los”, e, nestes momentos críticos, também há quem o faça, sem qualquer desfaçatez.
No dia 2 de Março de 2020, a pandemia atingiu Portugal e outra cantiga cantou. Passaram alguns dias e o estado de emergência foi declarado, pela primeira vez, em 45 anos.
Uma palavra de força e esperança para os que estão na linha da frente, na luta contra a pandemia. São, entre outros, os profissionais de saúde (médicos, enfermeiros, técnicos e auxiliares), forças de segurança e bombeiros.
Para terminar, realço a minha esperança e confiança no nosso Serviço Nacional de Saúde. Tem fraquezas? Sim, tem várias (um exemplo: temos de baixar o tempo de espera para tratamentos de cancro), mas, honestamente, acho que temos os melhores profissionais de saúde do mundo.
Saúde para todos!

Comentário na Rádio Alto Ave, no jornal Geresão e na Cidadania Vieirense (11/04/2020). Fotografia: Foto Silva.