Quando
os meus avós nasceram, o telefone, a lâmpada incandescente e o automóvel
moderno tinham sido, recentemente, criados. Razões para sorrir?
Pouco
tempo depois de nascerem, três dos meus avós (a avó Virgínia só nasceu no ano
de 1921) têm conhecimento que Hermano Neves, do jornal “A Capital”, parte para
França, sendo o primeiro repórter português enviado para a Primeira Guerra
Mundial.
Posteriormente,
os quatro são informados, no dia 15 de Maio de 1945, por Manuel Rodrigues, que
escreveu no jornal “Diário de Notícias”, o seguinte: “Existe exagero nos relatos que têm
sido publicados a respeito dos campos de concentração alemães? Pelo que diz
respeito a Dachau posso afirmar que não”.
Passaram
os conflitos mundiais e o receio era que começasse uma guerra nuclear.
A
somar a tudo isto, os meus avós, e os demais portugueses, tiveram de lutar,
duramente, contra a ditadura salazarista. Momento marcante: desenrolava-se a
Segunda Guerra Mundial e Salazar decretou o racionamento de alguns bens
alimentares, principalmente, por causa da escassez de alimentos.
Nesta fase da vida, os
meus avós recebiam senhas do Regedor para comprarem, a preços tabelados, algum
milho, arroz, azeite, açúcar, entre outros.
Se é verdade que, por
norma, a broa de milho estava na mesa todos os dias, também é verdade que as
refeições eram poucas, reduzidas e não variavam. De segunda-feira a sábado,
comiam sopa com couves e feijões. Aos domingos, a história era outra – feijões
com arroz.
Racionar era a palavra
de ordem. A fome e a miséria proliferavam. Salazar bem tinha dito: “Livro-vos
da guerra, mas não sei se vos livro da fome”. E só não foi pior porque
continuamos a exportar, por exemplo, latas de sardinhas. Quem as apreciava?
Hitler. No seu “bunker”, encontraram três desses recipientes portugueses.
Quem passou pelo
racionamento, tem, naturalmente, receio que volte a acontecer.
Cerca
de 6 meses depois de partir Salazar, a avó Deolinda é a primeira dos meus
quatro avós a ir ao encontro do Pai. Quinze anos depois, falece a avó Virgínia
e, num território de contrastes, a alegria do mundo, com a queda do Muro de
Berlim, adversava com a dor na minha família: num espaço de três meses, partem
o avô Manuel e o avô Silvino.
Nessa altura, os meus
avós nem sonhavam que, muitos anos depois, um inimigo epidémico invisível
pudesse obrigar ao adiamento de uma edição dos Jogos Olímpicos. Agora,
os seus filhos, netos, bisnetos e trinetos (alguns, fora de Portugal)
deparam-se com o maior desafio das últimas décadas.
O
mundo não estava preparado para enfrentar um inimigo como a COVID-19, com estas
características, e desvalorizou quem o avisasse. Há 5 anos, Bill Gates disse:
“Se alguma coisa matar mais de 10 milhões de pessoas, nas próximas décadas, é
muito mais provável dever-se a um vírus altamente contagioso do que a uma
guerra. Não mísseis, mas micróbios”. O surto do vírus Ébola na África
Ocidental, em 2014, foi um forte aviso. No entanto, pouco ou nada foi feito,
desde aí.
Neste
momento, os Sistemas de Saúde de alguns países mais ricos do mundo estão à
beira da ruptura.
É
uma corrida contra o tempo. Por um lado, a indústria farmacêutica trabalha 24
horas por dia, para o fabrico de uma vacina preventiva para a COVID-19. Uma
vacina pode demorar oito a dez anos a estar pronta, mas aguardamos um milagre.
Por
outro lado, temos pessoas como Lila. Ela, na “A Amiga Genial”, de Elena
Ferrante, “destruía equilíbrios só para ver de que outro modo podia
recompô-los”, e, nestes momentos críticos, também há quem o faça, sem qualquer
desfaçatez.
No
dia 2 de Março de 2020, a pandemia atingiu Portugal e outra cantiga cantou.
Passaram alguns dias e o estado de emergência foi declarado, pela primeira vez,
em 45 anos.
Uma
palavra de força e esperança para os que estão na linha da frente, na luta
contra a pandemia. São, entre outros, os profissionais de saúde (médicos,
enfermeiros, técnicos e auxiliares), forças de segurança e bombeiros.
Para
terminar, realço a minha esperança e confiança no nosso Serviço Nacional de
Saúde. Tem fraquezas? Sim, tem várias (um exemplo: temos de baixar o tempo de
espera para tratamentos de cancro), mas, honestamente, acho que temos os
melhores profissionais de saúde do mundo.
Saúde
para todos!
Comentário na Rádio Alto Ave, no jornal Geresão e na Cidadania Vieirense (11/04/2020). Fotografia: Foto Silva.