Fui rasteirado e tenho de
alterar o plano. No dia 25 de Julho do presente ano, perspectivava-se uma bela
manhã de verão, com momentos de satisfação na prática desportiva. A reunião de
sensações positivas não foi suficiente para bloquear o que veio a acontecer.
[Um dia, no regresso a casa
após as aulas, passei em frente a uma ourivesaria. Um relógio de pulso italiano
estava na montra, e a subtileza do movimento dos ponteiros fez-me travar o
passo. Admirei a elegância do conjunto, onde se destacava uma barra horizontal
cor-de-laranja, no mostrador. Cortejei o relógio, até recebê-lo, no dia de
Natal. Foi o meu primeiro relógio de ponteiros e tenho-o guardado. Sabia que ia
ficar comigo, para sempre.]
Um amigo veio ao meu encontro,
no Mosteiro, e, às 7h30, começamos a pedalar em direcção às Terras de Basto. A
motivação pela volta que íamos fazer não impediu uma paragem, no Arco de
Baúlhe, devido a dúvidas no trajecto a seguir. Aqui, também, sentimos uma
fraqueza que não física.
[Um dia, já perto de se
iniciar a Quadra Natalícia, realizou-se um jantar de amigos num “bunker”
vieirense. Resultado desse encontro: nasceu a Associação CAVA – Clube Amigos de Vieira. Avançamos com coragem, impulsionados pela força do nosso padrinho,
que foi aquele que nos acolheu e apoiou. Respeito mútuo, felicidade crescente.]
Debaixo de um sol abrasador,
passamos em Atei, onde as vinhas ladeiam a rota. Procuro esquecer o péssimo
estado da estrada e recordar que alguns vinhos verdes, desta região, já foram
convocados para exigentes embates gastronómicos. De que vale recordar isto?
Vale muito.
[Um dia, num domingo de Outono,
estava a acabar de almoçar e um amigo liga, por volta das 14h, a perguntar se
queria ir ver um jogo de futebol, em Macedo de Cavaleiros, onde o Vieira Sport
Clube iria defrontar a equipa local. Um detalhe: o jogo começava às 15h.
Chegamos no fim da primeira parte, não sem antes pararmos, obviamente, no Mosteiro para beber
um café. A nossa equipa perdeu, mas,
felizmente, as alegrias foram superiores às tristezas. Mais um fascínio que nos
uniu tantas vezes, levando-nos a descobrir, principalmente, a região de
Trás-os-Montes e Alto Douro.]
Chegou o momento de começarmos
a subida de 8 quilómetros e 200 metros, com uma pendente média de 7,4%, até ao
Santuário de Nossa Senhora da Graça. As pernas não fraquejaram e levaram-nos ao
topo do Monte Farinha. Já os corações vão desmoronar-se, daqui a alguns
minutos.
[Um dia, surgiu a
curiosidade de ver um concerto de Roger Waters. Os nossos caminhos uniram-se,
novamente. Um outro amigo acompanhou-nos e arrancamos em direcção a Lisboa. Uma
paragem na região da Anadia, na face da Estrada Nacional 1, e, desde daí, uma
maravilha gastronómica levou-nos ao início do concerto e agarrou-me até hoje. O
muro de Roger Waters caiu; o nosso solidificou-se.]
No santuário, aconteceram
momentos solenes, com a troca de impressões com peregrinos cabeceirenses.
Começamos, depois, a descer, de regresso a casa. Enfrentamos vento forte que
nos levou a ter atenção redobrada nas curvas em formato de gancho. A descida
termina e olho para o telemóvel: uma chamada perdida de um amigo de infância.
Não queria ouvir o que ele tinha para me dizer.
[Um dia, decorreu um jogo no
mítico Estádio de Anfield, com visualização num espaço subterrâneo vieirense,
que justificou uma refeição especial, enquanto a bola rolou. O Benfica eliminou
o campeão europeu em título e a loucura levou-nos a muitos abraços e a alguns
choros. O momento verdadeiramente alto foi com o corpo em forma de “U”
invertido, imaginando castanholas nas mãos, um amigo cantou uma música popular
da língua de Cervantes. Mais tarde, também aqui, festejamos o título europeu da
selecção portuguesa de futebol.]
Devolvi a chamada. A satisfação
de termos atingido o topo seria derrotada pela notícia que ia chegar. Ele
disse-me: “O nosso amigo partiu...”. A fé faz-nos mover, mas não tem força
suficiente para travar aquilo que não queremos que aconteça. Informo o meu companheiro
de aventura, que o tratava carinhosamente por “padrinho”. Fizemos o resto do
caminho a recordar os momentos inesquecíveis que vivemos. Um dos meus grandes
amigos foi ao encontro do Pai. Tantas histórias ficaram por contar, mas o resto
fica, para sempre, entre nós. Nutria por ele um enorme respeito e ele com todos
aqueles com quem se cruzou. Vamos perpetuar a sua memória, recordando a
singela, mas sentida homenagem realizada, há poucos anos.
Uma semana antes de partires,
fizeste-me um pedido. Eu cumpri sem saber que, esse, seria o teu último pedido
e que a nossa última conversa ocorreria poucos minutos depois…
Até
sempre, Leo!
Opinião de Filipe de Oliveira na Rádio Alto Ave, n`O Jornal de Vieira e na Cidadania Vieirense (4/10/2020).