O Tribunal Constitucional
(TC) declarou quatro normas do Orçamento do Estado como inconstitucionais.
Demorou muito tempo a decidir e contribuiu para uma mediatização desnecessária,
mas fez justiça e não política, demonstrando independência em relação ao poder
político (exemplo: a juíza indicada pelo CDS, Fátima Mata-Mouros, chumbou as
quatro normas). Aliás, tirando a
constitucionalidade da contribuição extraordinária de solidariedade sobre os
reformados, nada mais surpreendeu.
A reacção
de Passos Coelho ao chumbo do TC foi absolutamente incompreensível e vai muito além do que é aceitável para um
primeiro-ministro. Ouvir Passos dizer que a decisão tem “consequências muito
sérias para todo o país” e que torna também “problemática a necessária
consolidação orçamental para os próximos anos” foi o mais hilariante dos
últimos tempos. Ou seja, o sol estava a brilhar em Portugal até ter chegado o
maldito TC. Melhor que isto só quando Chávez disse que os EUA foram os culpados
pelo terramoto do Haiti de 2010.
Senhor primeiro-ministro,
assente bem os pés no chão e verifique que tudo está a correr mal. A taxa de
desemprego vai a caminho dos 18%, a economia caiu numa espiral recessiva, as
metas do défice não são cumpridas e a dívida pública bate recordes sucessivos.
Se isto é correr bem, vou ali e já venho.
Se Sá de
Miranda pudesse perguntar a Vítor Gaspar: “Que farei quando tudo arde?”, a resposta seria óbvia: “Rega o fogo com gasolina”. A verdade é que o caminho
suicida da austeridade obsessiva prossegue a um ritmo avassalador. Ao golpe nos
salários e pensões, juntar-se-ão despedimentos de funcionários públicos e teremos
mais cortes na segurança social, saúde, educação e empresas públicas. E onde
estão as tais “gorduras do Estado”? E que tal renegociar as parcerias
público-privadas? Não conseguem mexer nas rendas excessivas? Se Sarah Palin
fosse naturalizada portuguesa, todos saberíamos o que o nosso Governo não tem…
É óbvio que
é utópico deixar a austeridade de lado, mas o Governo já deveria ter olhado
para muitas outras coisas, principalmente para um dos maiores problemas do
país: o desemprego. O programa neoliberal da “troika” não está a funcionar e o
Executivo já não tem legitimidade para governar, uma vez que os partidos da
coligação estão a fazer exactamente o contrário do que prometeram. E, para
piorar, não se vislumbram soluções. É completamente irrealista
pensar num Governo de iniciativa presidencial, Paulo Portas não tem peso nenhum na coligação, alguns ministros andam a encher
pneus e Seguro ainda procura convencer muitos portugueses.
No meio disto tudo,
assistimos a momentos de paródia e estupidez como a demissão do ex-Dr. Miguel
Relvas. O seu mandato foi um falhanço total, como comprova o adiamento da privatização
da RTP e a “reforma” administrativa feita às três pancadas, e diz que sai por
não ter “condições anímicas para continuar”. Já dizia Jorge Palma: “Deixa-me
rir”…
Comentário político no jornal "Geresão" e "Rádio Alto Ave" (10/04/2013).