segunda-feira, 6 de março de 2017

COMO "DEITAR A JUSTIÇA AOS PORCOS"? PUTIN EXPLICA!

Apesar de ter muita vontade de abordar as primeiras medidas do mandato de Trump, opto por “tocar” num dos seus “amigos”. Isto porque há acasos que são mesmo marcantes.
No início do mês de Fevereiro, acabei de ler o livro «Ressurreição», do russo Tolstói, onde sobressai, nomeadamente, o sofrimento que um homem provocou a uma mulher, no século XIX, e passados poucos dias, fico aterrorizado ao ler uma notícia, no sítio do Diário de Notícias, com o título: «Putin assinou a lei. Violência doméstica já não é crime na Rússia».
Ora, no país onde cerca de 36 mil mulheres são agredidas, diariamente, pelos companheiros, e 26 mil crianças são espancadas, anualmente, pelos pais, aprova-se uma lei que descriminaliza alguns actos de violência doméstica. Poder-se-á dizer, tal como anotou Tolstói na referida obra, «deitaram a justiça aos porcos». 
Os defensores da nova lei sustentam que é uma maneira de proteger a tradição russa. Ah, pois! Claro que sim, meus senhores! Se bem que, para manter a tradição, a “fasquia esteja um pouco alta” visto que, no ano de 2010, um relatório das Nações Unidas aponta que cerca de 14 mil mulheres são assassinadas, todos os anos. E já nem abordo a violência psicológica, que parece ser inexistente para Putin e amigos.
A Rússia até pode voltar a ser uma potência económica mundial, mas este retrocesso civilizacional humilha e envergonha um país que valoriza tanto os direitos humanos como a Síria ou mesmo Angola. 
Depois disto, importa realçar as palavras do príncipe Nekhliúdov, na obra «Ressurreição»: «Quando se reconhece que há coisas mais importantes do que o humanismo (…), será sempre possível que cometamos crimes contra os seres humanos e não os consideremos culpados». 
É verdade que Portugal também tem um caminho a percorrer no combate à violência doméstica, mas, felizmente, nos últimos anos, a nossa realidade tem vindo a mudar, acima de tudo, desde que a violência doméstica se tornou um crime público. 
A nossa sociedade civil está mais sensibilizada para este tipo de violência, faltando, agora, educar os adolescentes e compreender, por vezes, a nossa justiça. Basta recordarmos que, no passado mês de Janeiro, o Tribunal da Relação de Évora determinou que, «Apertar o pescoço não é violência doméstica».
Sinto uma “espécie de náusea moral”, como referiu Tolstói na obra supracitada. Mas esta “náusea moral” ainda não terminou. Algumas horas antes de ler a tal notícia, no sítio do Diário de Notícias, deparei-me com uma frase atribuída a Manuel Maria Carrilho, que responde em tribunal por violência doméstica contra a ex-mulher, Bárbara Guimarães, e que é a seguinte: «Eu só bebia por amor à Bárbara e para diminuir a dose dela». Uma frase que tanto poderia figurar num romance de Tolstói, como num sketch do Gato Fedorento.

Comentário na Rádio Alto Ave, e jornais Geresão e Notícias de Vieira (09/02/2017).