«(...) Nenhuma experiência, por maior que
seja, nenhuma serenidade, embora perfeita, nenhum discernimento, por mais
forte, impedirão, aparentemente, que tentemos uma última vez a nossa sorte.»
(Imre Kertész)
Se, no ano
passado, também no mês da Revolução dos Cravos, citei poemas de Sophia de Mello
Breyner Andresen e anotei, nomeadamente, as portas que Abril abriu, agora irei
basear-me numa obra poderosa de Imre
Kertész para elevar a coragem daqueles que combateram a ditadura, como o
ilustre vieirense Coronel Jaime Abreu Cardoso, até ao limite das suas forças.
Todos nós
somos embaixadores da literatura. Deste modo, não é ousado fundamentar-me numa
obra de um escritor húngaro, que foi Nobel da Literatura, para impulsionar
palavras enquadradas no Dia da Liberdade de Portugal.
Quantos
portugueses foram crucificados num país fechado sobre si mesmo? Quantos
portugueses foram amordaçados na busca de um país justo? Quantos portugueses
foram detidos na busca de um país livre? Mas a coragem dos nossos heróis nunca
diminuiu, os seus sonhos abrandaram mas nunca desapareceram, mesmo em condições
terríveis. Como escreveu Kertesz, na
obra «Sem Destino»: «(...) Os muros
estreitos das prisões não conseguem reprimir as asas da imaginação.»
Sob a
orientação de um ditador, pensavam que conseguiriam cortar o sonho de um
povo!
A podridão
humana na sua plenitude máxima: Polícia de Vigilância e Defesa do Estado
(PVDE), depois Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE) e, por fim,
Direcção-Geral de Segurança (DGS).
Tristes
memórias. Prisões Políticas da Cadeia do Aljube, do Forte de Peniche, da
Colónia Penal de Cabo Verde, no Tarrafal, também conhecido como “Campo da Morte
Lenta” e dos Redutos Norte e Sul do Forte de Caxias.
Qual seria o
sentimento de ser apanhado na “rede”? Perdido? Anotou Kertész: «Uma espécie
de torrente em redemoinho, pastosa e em ebulição, arrastava-me e engolia-me
(...). Eu nem sabia para onde me virar, na precipitação, e só me ocorre que,
durante esse tempo, me apetecia rir um pouco (...) devido ao espanto e à
confusão de me ver no meio de uma peça insensata, em que desconhecia por
completo o meu papel.»
Uma enorme
revolta manifesta-se, quando se é triturado, apenas e só, por se procurar a
liberdade. Uma enorme revolta leva-nos quase a força toda, leva-nos ao limite,
quando sabemos que, na humanidade, temos de ser heróis perante tantas
adversidades.
Como se cai
neste poço? Como é que tantos portugueses lutadores pela liberdade caíram neste
poço quase sem fundo? Parece tão fácil. Apontou Kertész: «[Ele] (...) estava
curioso em saber como é que eu “tinha caído aqui”, e disse-lhe: - Muito
simples. Fizeram-me descer do autocarro.»
Contra quase tudo, contra quase todos! Tantas injustiças, sem misericórdia, tudo era possível apenas e só para se manter acesa a chama da ditadura, a chama da crueldade humana. Chama essa que, um dia, haveria de se extinguir. Referiu Kertész: «Só então me deixei cair sobre a almofada, aliviado, só então alguma coisa muito lentamente se soltou em mim, e só então pensei - talvez, pela primeira vez, a sério - na liberdade.»
Contra quase tudo, contra quase todos! Tantas injustiças, sem misericórdia, tudo era possível apenas e só para se manter acesa a chama da ditadura, a chama da crueldade humana. Chama essa que, um dia, haveria de se extinguir. Referiu Kertész: «Só então me deixei cair sobre a almofada, aliviado, só então alguma coisa muito lentamente se soltou em mim, e só então pensei - talvez, pela primeira vez, a sério - na liberdade.»
Comentário na Rádio Alto Ave e jornal Geresão.