quinta-feira, 4 de maio de 2017

VIVA A LIBERDADE!


«(...) Nenhuma experiência, por maior que seja, nenhuma serenidade, embora perfeita, nenhum discernimento, por mais forte, impedirão, aparentemente, que tentemos uma última vez a nossa sorte.» (Imre Kertész)
Se, no ano passado, também no mês da Revolução dos Cravos, citei poemas de Sophia de Mello Breyner Andresen e anotei, nomeadamente, as portas que Abril abriu, agora irei basear-me numa obra poderosa de Imre Kertész para elevar a coragem daqueles que combateram a ditadura, como o ilustre vieirense Coronel Jaime Abreu Cardoso, até ao limite das suas forças.
Todos nós somos embaixadores da literatura. Deste modo, não é ousado fundamentar-me numa obra de um escritor húngaro, que foi Nobel da Literatura, para impulsionar palavras enquadradas no Dia da Liberdade de Portugal.
Quantos portugueses foram crucificados num país fechado sobre si mesmo? Quantos portugueses foram amordaçados na busca de um país justo? Quantos portugueses foram detidos na busca de um país livre? Mas a coragem dos nossos heróis nunca diminuiu, os seus sonhos abrandaram mas nunca desapareceram, mesmo em condições terríveis. Como escreveu Kertesz, na obra «Sem Destino»: «(...) Os muros estreitos das prisões não conseguem reprimir as asas da imaginação.»
Sob a orientação de um ditador, pensavam que conseguiriam cortar o sonho de um povo! 
A podridão humana na sua plenitude máxima: Polícia de Vigilância e Defesa do Estado (PVDE), depois Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE) e, por fim, Direcção-Geral de Segurança (DGS).
Tristes memórias. Prisões Políticas da Cadeia do Aljube, do Forte de Peniche, da Colónia Penal de Cabo Verde, no Tarrafal, também conhecido como “Campo da Morte Lenta” e dos Redutos Norte e Sul do Forte de Caxias.
Qual seria o sentimento de ser apanhado na “rede”? Perdido? Anotou Kertész: «Uma espécie de torrente em redemoinho, pastosa e em ebulição, arrastava-me e engolia-me (...). Eu nem sabia para onde me virar, na precipitação, e só me ocorre que, durante esse tempo, me apetecia rir um pouco (...) devido ao espanto e à confusão de me ver no meio de uma peça insensata, em que desconhecia por completo o meu papel.»
Uma enorme revolta manifesta-se, quando se é triturado, apenas e só, por se procurar a liberdade. Uma enorme revolta leva-nos quase a força toda, leva-nos ao limite, quando sabemos que, na humanidade, temos de ser heróis perante tantas adversidades.
Como se cai neste poço? Como é que tantos portugueses lutadores pela liberdade caíram neste poço quase sem fundo? Parece tão fácil. Apontou Kertész: «[Ele] (...) estava curioso em saber como é que eu “tinha caído aqui”, e disse-lhe: - Muito simples. Fizeram-me descer do autocarro.»
        Contra quase tudo, contra quase todos! Tantas injustiças, sem misericórdia, tudo era possível apenas e só para se manter acesa a chama da ditadura, a chama da crueldade humana. Chama essa que, um dia, haveria de se extinguir. Referiu Kertész: «Só então me deixei cair sobre a almofada, aliviado, só então alguma coisa muito lentamente se soltou em mim, e só então pensei - talvez, pela primeira vez, a sério - na liberdade.»

            Comentário na Rádio Alto Ave e jornal Geresão.