Desde que cabeceei, triunfalmente, para o fundo das redes
do Sequeirense Futebol Clube, quando era juvenil do Vieira Sport Clube, fui
“parteiro” de movimentos de cidadania; abracei causas sociais, entusiasmei-me
com a cultura. Ah! E descobri o mundo encantado (não dos brinquedos), mas dos
cogumelos silvestres.
As diferentes cores, os
aromas, texturas e sabores dos cogumelos proporcionam inúmeros estímulos. É um
regresso à biologia, onde os cogumelos têm um
importante papel na reciclagem de nutrientes; é um desafio físico, que
permite caminhar alguns quilómetros; é um incitamento na culinária, pois parte
da refeição fica por minha conta, e é uma viagem a várias terras, nomeadamente
aos seus campos, prados e montes.
Sinto um despertar de emoções, quando avisto cogumelos. Levanto folhas de carvalho-português e
encontro um boleto. Desvio silvas e vislumbro dois choteiros, a 15 metros. As
condições climáticas nunca são adversas, quando se trata de arrebatamentos. O
frio é como se fizesse parte do ritual. A chuva é uma bênção!
É um encantamento que não tem um momento certo para o viver
e desfrutar. Posso procurá-los de dia, no seu esplendor máximo, ou posso
procurá-los, com a ajuda de uma lanterna, à noite. Posso ir sozinho ou posso ir
acompanhado.
Nesta altura do ano, predominam, também, as folhas
amarelas, castanhas e vermelhas. Os dias ficam mais curtos. Vem o frio,
começamos a transportar lenha, e os esquilos armazenam bolotas para o Inverno.
Tudo em movimento. Não há melancolia!
Numa tarde típica de Outono, fui com a minha filha a um
carvalhal. Com impermeável e calçado adequado, levamos uma cesta. Pisamos uma
manta de folhas secas e recolhemos pinhas; castanhas; bolotas e folhas de
carvalho-português. De facto, não encontramos cogumelos, mas uma ida à natureza
é sempre mágica, mesmo que parte da caminhada exija esforço extra, o que foi o
caso, pois carreguei a herdeira, aos ombros, durante alguns minutos. Prevaleceram, entre vários valores, o
cuidado e o respeito a manter pelo património biológico.
Dois dias depois, o material recolhido seguiu, na sua
mochila, para a escola, com o objectivo de incluí-los na Área do Conhecimento
do Mundo - um cantinho de biologia que a educadora de infância tão bem
aprimora.
Na natureza, recebemos brindes
e afastamo-nos das trevas.
Assim, não assisto ao circo em
que se tornou o “Brexit”.
Deste modo, não leio
comentários de ódio, face à gaguez da Joacine Katar Moreira e à saia de Rafael Esteves
Martins (com a nova composição da Assembleia da República, a dignidade do
debate político anda pelas ruas da amargura).
Também não oiço contínuas
trocas de acusações entre a esquerda e a direita, em relação ao chumbo de
propostas para proteger vidas, no Mediterrâneo. Isto leva-me à polaca Olga
Tokarczuk, vencedora do Prémio Nobel da Literatura de 2018, quando a narradora Janina
Duszejko, no livro “Conduz o Teu Arado sobre os Ossos dos Mortos”, anota o
seguinte: “Cantámos assim cerca de uma hora, sempre o mesmo até as palavras
deixarem de ter significado e parecerem aquelas pedrinhas do mar que, girando
infinitamente com o movimento das ondas, se arredondam e ficam parecidas umas
com as outras, como dois grãos de areia”.
Na natureza, somos felizes!
Comentário na Rádio Alto Ave, no jornal Geresão e na Cidadania Vieirense (13/11/2019).