O valor da música atravessa gerações, com marca
nas pessoas centenárias. A música dá um empurrão no sorriso e relaxa nos
momentos de aflição. Serve, também, de refúgio.
Palmira Simas Santos (nascida a 28 de Março de
1919) mergulhou na música, durante a infância, na Ilha do Pico. Acompanhou-a
até à Ilha das Flores, onde viveu a juventude. É uma paixão que sobreviveu à
agitação das ondas do oceano Atlântico, chegando a Vieira do Minho.
Por cá, a Palmirinha debita provérbios, como
poucos, e eleva músicas tradicionais dos Açores, sempre com a preocupação de
que transmitam a mensagem de “uma verdade pura”, como:
Ó Pico, rocha tão alta, / Donde o penedo caiu: /
Ninguém diga o que não sabe, / Nem afirme o que não viu.
Num mundo rural, a
vida na agricultura pode levar a mãos secas e gretadas, mas a
sabedoria e a educação não sofrem abanões.
A Palmirinha fez-nos chegar preciosidades do
seu avô Manuel João dos Santos, um autodidata que chegou a professor, oficial
de registo e escrivão da Câmara Municipal das Lajes do Pico. Mais: o seu avô, numa ida ao Tribunal Judicial da Comarca de São
Roque do Pico, disse ao juiz que era agricultor. Depois de o ouvir, o juiz
duvidou da sua profissão. Com humildade, Manuel dos Santos disse: “Não menti,
veja as minhas mãos. Sou agricultor”. Ao que o juiz respondeu: “Tem cultura de
um letrado embora com mãos de agricultor”.
Os momentos marcantes das pessoas centenárias
envolvem quase sempre o casamento. O amor de João de Araújo Costa (nascido a 30
de Setembro de 1920) pela sua mulher, Joaquina da Trindade Barroso, continua
presente. O dia mais feliz foi quando casou; o mais triste quando a companheira
de uma vida foi de encontro ao Pai. Um haitiano disse que, quando tudo se
desmorona, o que resta é a cultura. João Costa vira-se para a poesia, mas a dor
não pisa o pedal do travão.
Hoje em dia, João Costa
acha que, “a vida é horrível porque parece que estamos num baile de
máscaras”, no entanto, é compensada pelas amizades que sempre valorizou e que o
fazem acreditar que é uma das lições mais importantes que aprendeu.
A vida de José António Gonçalves (nascido a 6
de Maio de 1919) foi dedicada a “cuidar dos filhos e a trabalhar na terra”,
desejando, em tempos de pandemia, a maior sorte para os seus descendentes.
Realmente, “as coisas boas acabam num instante, isto nunca mais acaba”.
Sabendo que há
pessoas que, quando têm um martelo na mão, procuram logo os pregos, José
Gonçalves lembra-se de um episódio que aconteceu numa eleição, onde a sua
preferência não constava no boletim de voto que lhe foi entregue.
As viagens marcam as suas vidas. Conheceram
outros países, com idas obrigatórias à praia. O mundo é grande, mas o seu
conhecimento está a um pequeno passo, como a viagem a Itália que perdura na
memória de José Gonçalves, não sendo abandonada com o avançar da idade.
E, agora, avança a sua fé. “Graças a Deus, fui feliz em tudo”. Vejo-lhe uma saúde de ferro que embeleza a vida, gerando, por vezes, um misto de sensações:
“Não me dói nada... morre tudo... o tempo já é muito”.
Todos eles pedem que os jovens respeitem os
mais velhos.
Ouvi os centenários vieirenses e enriqueci a minha vida. A missão passa por levar, até todos, pequenos pedaços da pessoa idosa. Com outros protagonistas, a minha vontade é continuar.
Opinião de Filipe de Oliveira na Rádio Alto Ave, n`O Jornal de Vieira e na Cidadania Vieirense (2/12/2020).