quinta-feira, 16 de janeiro de 2020

2019 E A DIGNIDADE HUMANA

2019 foi o ano de Tolentino de Mendonça; Greta Thunberg; Nick Cave; Olga Tokarczuk. Não há dúvida de que se destacam, em áreas distintas. Pensam o mundo. Alertam a sociedade. Vivem o luto. Embrulham-se na política. Movem-se por paixões. Transmitem mensagens. Desafiam quem os ouve; quem os lê.
Quem também nos desafiou, foi uma das pessoas mais ricas do mundo. Há quem prefira terminar o ano com frases que nos abalam e fazem pensar. Aqui, a medalha de ouro vai para Bill Gates, que referiu: “A minha fortuna mostra que não há justiça fiscal”.
Vou avançar! Não iniciei o novo ano a registar os acontecimentos a realizar, mas chegaram reptos, via correio electrónico, no dia 29 de Dezembro do ano que terminou: cheque-prenda de um parque de desportos de aventura.
Um desafio será rejeitado, mesmo tendo recebido apoio emocional (não remunerado) da minha mulher, nos primeiros dias, após a recepção do presente. Nem pensar em prenderem-me ao maior cabo do mundo de descida por gravidade. O motivo é mesmo a acrofobia. Quando estou na varanda de um quinto andar, procuro um objecto que está atrás de mim. Se for um objecto fixo, esforço-me por abraçá-lo; se for um objecto móvel, agarro-o, fecho os olhos e lanço-o.
Assim, ficarei pelo percurso pedestre. Sempre me dei melhor com os pés bem assentes no chão. Avançarei por caminhos que foram calcorreados, em tempos, por Camilo Castelo Branco. Aqui, até poderei travar para admirar, relaxadamente, o Vale do Tâmega e avançar na leitura de “A Amiga Genial”, de Elena Ferrante (o que se revelava difícil ao deslizar por um cabo).
O mais importante é, isso sim, apoiar os tratamentos da Rita, que é a causa solidária que originou um sorteio de rifas e proporcionou a oferta que recebi.
O que me vem, agora, ao pensamento, é o respeito pela dignidade humana.
Recordo o sul-coreano Son. Foi protagonista de dois momentos que marcaram 2019. Chorou, após lance que lesionou adversário e pediu-lhe desculpa, num jogo posterior, nos festejos de um golo da sua autoria. Son mostrou-nos que um golo, que é o êxtase de um jogo de futebol, pode possibilitar, também, um perdão.
Não me sai do pensamento, o respeito pela dignidade humana.
Os portugueses escolheram, na iniciativa da Porto Editora, a Palavra do Ano de 2019 - “Violência [doméstica]”. A violência doméstica continua a ser banalizada. Vemos retrocessos civilizacionais. Comunidade apática. É oportuno recordar Dulce Maria Cardoso, com a obra “Eliete”: “...e ninguém dava conta porque quase nunca se dava conta de nada a não ser quando a realidade nos entrava pelos olhos adentro e, mesmo assim, preferíamos cegar a ver”.
Uma das 35 vítimas do ano passado, no contexto de violência doméstica, morreu perto de minha casa. Também acontece perto da nossa casa. Habitações impregnadas de violência. Respeito ao próximo é zero. Desespero. Loucura. Ódio. Vingança.

Comentário na Rádio Alto Ave, no jornal Geresão e na Cidadania Vieirense (09/01/2020).