2019 foi o ano de Tolentino de
Mendonça; Greta Thunberg; Nick Cave; Olga Tokarczuk. Não há dúvida de que se
destacam, em áreas distintas. Pensam o mundo. Alertam a sociedade. Vivem o luto.
Embrulham-se na política. Movem-se por paixões. Transmitem mensagens. Desafiam
quem os ouve; quem os lê.
Quem também nos desafiou, foi
uma das pessoas mais ricas do mundo. Há quem prefira terminar o ano com frases
que nos abalam e fazem pensar. Aqui, a medalha de ouro vai para Bill Gates, que
referiu: “A minha fortuna mostra que não há justiça fiscal”.
Vou avançar! Não iniciei o
novo ano a registar os acontecimentos a realizar, mas chegaram reptos, via
correio electrónico, no dia 29 de Dezembro do ano que terminou: cheque-prenda
de um parque de desportos de aventura.
Um desafio será rejeitado,
mesmo tendo recebido apoio emocional (não remunerado) da minha mulher, nos
primeiros dias, após a recepção do presente. Nem pensar em prenderem-me ao
maior cabo do mundo de descida por gravidade. O motivo é mesmo a acrofobia.
Quando estou na varanda de um quinto andar, procuro um objecto que está atrás
de mim. Se for um objecto fixo, esforço-me por abraçá-lo; se for um objecto
móvel, agarro-o, fecho os olhos e lanço-o.
Assim, ficarei pelo percurso
pedestre. Sempre me dei melhor com os pés bem assentes no chão. Avançarei por
caminhos que foram calcorreados, em tempos, por Camilo Castelo Branco. Aqui,
até poderei travar para admirar, relaxadamente, o Vale do Tâmega e avançar na
leitura de “A Amiga Genial”, de Elena Ferrante (o que se revelava difícil ao
deslizar por um cabo).
O mais importante é, isso sim,
apoiar os tratamentos da Rita, que é a causa solidária que originou um sorteio
de rifas e proporcionou a oferta que recebi.
O que me vem, agora, ao
pensamento, é o respeito pela dignidade humana.
Recordo o sul-coreano Son. Foi
protagonista de dois momentos que marcaram 2019. Chorou, após lance que
lesionou adversário e pediu-lhe desculpa, num jogo posterior, nos festejos de
um golo da sua autoria. Son mostrou-nos que um golo, que é o êxtase de um jogo
de futebol, pode possibilitar, também, um perdão.
Não me sai do pensamento, o
respeito pela dignidade humana.
Os portugueses escolheram, na
iniciativa da Porto Editora, a Palavra do Ano de 2019 - “Violência [doméstica]”. A
violência doméstica continua a ser banalizada. Vemos retrocessos
civilizacionais. Comunidade apática. É oportuno recordar Dulce Maria Cardoso,
com a obra “Eliete”: “...e ninguém dava conta porque quase nunca se dava conta
de nada a não ser quando a realidade nos entrava pelos olhos adentro e, mesmo
assim, preferíamos cegar a ver”.
Uma das 35 vítimas do ano passado, no contexto de
violência doméstica, morreu perto de minha casa. Também
acontece perto da nossa casa. Habitações impregnadas de violência. Respeito
ao próximo é zero. Desespero. Loucura. Ódio. Vingança.
Comentário na Rádio Alto Ave, no jornal Geresão e na Cidadania Vieirense (09/01/2020).