terça-feira, 19 de abril de 2022

AS "RAÍZES" DO SR. REIS (PRIMEIRA PARTE)

Nos últimos dias de 2021, conheci Manuel Gonçalves Fraga, a quem todos tratam por Sr. Reis, que nasceu no dia 6 de Janeiro de 1934.
Em Ruivães, numa ida fortuita ao Centro Social Interparoquial de Ruivães, Campos e Salamonde, troquei algumas palavras com um senhor amável e com vontade de abrir o livro da sua vida. Prometi-lhe que iria lá voltar, para registar as suas preciosas memórias.
No dia 2 de Fevereiro do corrente ano, chegou a hora de cumprir a promessa. Foi o primeiro encontro. Um belo sol irradiou a nossa conversa e testemunhou, de imediato, o relato de um acontecimento brilhante: “Nasci no Dia de Reis e fui baptizado com o nome Manuel dos Reis Gonçalves Fraga. Depois, o meu pai foi ao Registo [Civil] e o Sr. Miguel Leão, que trabalhava lá, disse que não podia ser Reis porque não descendia de um Rei”.
Tinha chegado o momento do pai, José António Gonçalves Fraga, numa mistura de frustração e raiva, rematar no serviço público: “Ponha o que o senhor quiser, porque ele será Reis toda a vida”.
Impressiona a astúcia da sua memória, ainda mais quando mergulha nas “raízes” da família.
Filho de um casal de agricultores, a mãe, Maria Jesus Gonçalves Fraga, viu-o nascer em Vale, lugar da freguesia de Ruivães, concelho de Vieira do Minho. Uma mãe que zelava pela família; marcava pontos na costura e não esquecia os trabalhadores que iam ajudar a família, na agricultura, e eram brindados com um lanche.
Em relação ao pai do Sr. Reis, recorda-lhe a boa disposição; os dotes vocais e o apreço na organização de danças de Carnaval. Mais: era “um homem trabalhador, fazia a poda, cortava os fenos e comandava as vindimas”. A agricultura era o sustento da família.
O avô paterno era António Fraga. Vendia trigo, bem-acondicionado nas carroças que eram puxadas por cavalos, e casou com Maria Cândida, natural de outro concelho, mais propriamente de Paredes de Coura.
O Sr. Reis recorda-se de lhe falarem sobre a morte do avô António, que andava adoentado e o médico indicou a toma de um banho de água fria, para curar a maleita, mas a verdade é que a água não fez o suficiente, para evitar a morte que veio ao seu encontro, poucos dias depois.
Da união dos avós maternos, Manuel Fraga e Carolina “do Mercador”, como era apelidada, nasceu uma figura marcante da sua vida - Domingos, que viria a ser o seu padrinho.
É o momento de surgirem os irmãos. Um total de 12, sendo eles, António; Isilda; Maria; Ana; José; Victor; Generosa; Celeste (esta última falecida com apenas seis meses de idade); Mário; Celeste; Alice e Carlos. Não esquece que, antes das refeições, rezavam para abençoar os alimentos e que o crescimento não foi acompanhado de idas familiares à Feira da Ladra. Os três irmãos mais novos estão vivos.
Com a professora Aurora Mota a leccionar, finalizou o exame da quarta classe, na Escola Primária de Ruivães, que era um edifício com mais espaços e que chegou a ter uma cadeia e ser Sede de Junta de Freguesia.
Na juventude, a bola de futebol, improvisada com farrapos, não estava presente. Tocava-se realejo e aqueciam as noites de inverno a jogar às cartas (sueca, bisca e truco). Agora, abate-se uma tristeza: “Já não há rapazes do meu tempo de infância. Das raparigas, só resta uma”, lamenta.
Em território marcado pelas invasões francesas, os animais foram sempre uma companhia. De Outubro a Março, guardava 30 cabras; 20 ovelhas e seis vacas. De Abril a Setembro, avançava a vezeira, quando tocava a buzina, por volta das nove horas e, depois da concentração de 200 cabras e 100 ovelhas do lugar de Vale, os pastores arrancavam, em direcção à Serra da Cabreira, e só regressavam quando “o sol caminhava para baixo”. A vezeira era composta por várias famílias que se iam “substituindo e demorava 13 dias, a dar a volta ao lugar”.
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Opinião de Filipe de Oliveira na Rádio Alto Ave, n’O Jornal de Vieira e na Cidadania Vieirense.